Programa

1. OBJETIVOS
Objetivo geral

Impulsionar, fomentar e articular estudos e práticas extensionistas capazes de contribuir com a luta emancipatória dos movimentos sociais latino-americanos em prol da efetivação dos direitos humanos e de estimular o aprendizado crítico e transformador do Direito.

Objetivos específicos

a) Estimular a disseminação e a prática da extensão universitária entre os estudantes da UFSC, notadamente entre os estudantes de graduação e pós-graduação do curso de Direito, através do exercício de práticas jurídicas e comunitárias;

b) Constituir, capacitar e consolidar um grupo interdisciplinar de estudantes de graduação e pós-graduação para atuar em comunidades de baixa renda de Florianópolis e região metropolitana, na perspectiva da construção de práticas de caráter emancipatório, referenciadas, entre outras, pela educação popular e pela assessoria jurídica popular;

c) Fomentar a pesquisa e a extensão universitárias, por meio de uma maior aproximação dos estudantes com as comunidades e demandas populares;

d) Fortalecer a prática de um Direito crítico comprometido com as demandas postas pela realidade social de comunidades periféricas, com o incentivo ao protagonismo comunitário e à democratização do acesso à justiça;

e) Debater e propor a construção coletiva de alternativas sócio-jurídicas para a efetivação dos direitos humanos, com base na disseminação de informações relativas à legislação (nacional e internacional) e a instrumentos de promoção e garantia desses direitos;

f) Incentivar a troca entre os saberes acadêmico e popular, com o objetivo de construir e democratizar o conhecimento produzido na universidade a partir da efetiva participação da comunidade e da percepção crítica da realidade social.

2. ATORES SOCIAIS ENVOLVIDOS

a) Instituição promotora (Universidade):

Núcleo de Estudos e Práticas Emancipatórias (NEPE) / Centro de Ciências Jurídicas (CCJ-UFSC) / Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC);

b) Público-alvo (Comunidade):

Movimentos sociais populares, associações civis, sindicatos, cooperativas, lideranças e militantes comunitários, grupos sociais e pessoas em situação de potencial ou efetiva violação de direitos humanos, entre outras organizações populares de Florianópolis e região metropolitana.

c) Parceiros, aliados e financiadores:

Poder Público nos níveis municipal, estadual e federal; organizações não-governamentais (ONGs); organizações internacionais; núcleos de pesquisa, ensino e extensão da UFSC ou de outras universidades; instituições de fomento à pesquisa e à extensão.

3. DIRETRIZES TEÓRICO-METODOLÓGICAS

As diretrizes orgânico-institucionais que norteiam o NEPE podem ser divididas didaticamente em dois eixos interdependentes: o eixo teórico-conceitual e o eixo prático-metodológico. Tais diretrizes revelam as concepções que interagem para referenciar transversalmente as atividades e os projetos desenvolvidos no âmbito do programa de extensão.

3.1. Eixo teórico-conceitual

a) Direitos humanos. Os direitos humanos são compreendidos dentro do processo social de libertação permanente, enquanto direitos históricos (LYRA FILHO, 2003, p. 81). Isso significa considerá-los emergentes, gradualmente, das lutas emancipatórias – travadas a favor de novas liberdades e contra antigos poderes – e das mudanças produzidas por estas lutas nas condições de vida humanas (BOBBIO, 1992, p. 05 e 32). A legitimidade desses direitos é oriunda da sua própria trajetória de conquista, na qual necessidades humanas essenciais insatisfeitas geram conflitos coletivos, cuja passagem às reivindicações resta mediada pela afirmação de direitos (WOLKMER, 2001, p. 90-96 e p. 158-168). Nessa perspectiva, o elenco dos direitos humanos, bem como o conteúdo de cada direito específico, assume variação constante, ao sabor das transformações das sociedades, não se confundindo necessariamente com o leque de direitos fundamentais positivados pelos Estados. Os direitos humanos são estruturalmente indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados (ONU, 1993, ponto 5), o que exige que sejam vislumbrados em suas múltiplas dimensões – incluindo assim os direitos sociais, políticos, econômicos, civis, culturais e ambientais.

b) Cidadania. A prática de reivindicação determina a existência da cidadania. Tal prática pressupõe que esteja assegurado o direito de reivindicar os direitos, assim como que “o conhecimento deste se estenda cada vez mais a toda população” (COVRE, 1995, p. 10). Nessa lógica, a cidadania configura “a dimensão de participação/inclusão na responsabilidade pela vida social e política […], e através da qual a reivindicação, o exercício e a proteção de direitos, deveres e necessidades se exterioriza enquanto processo histórico de luta pela emancipação humana, ambiguamente tensionado pela  regulação social” (ANDRADE, 2003, p. 77). Isso implica pensar a cidadania para além do Estado-nação – rumo a uma cidadania cosmopolita – e de suas instâncias de mediação política – que a reduzem ao momento eleitoral.

c) Democracia. É necessário pensar a democracia tanto no que diz respeito ao regime político quanto às práticas sociais, situando-a no espaço-tempo em que vivemos e reconhecendo suas limitações e os conflitos legítimos existentes para ser possível transformá-la e transformar assim as relações de poder (CHAUÍ, 2001, p. 433). Dessa forma, podemos afirmar que, por um lado, nas democracias ocidentais contemporâneas, “o problema político por excelência é o relativo não tanto a quem detém o poder quanto ao modo de controlá-lo e limitá-lo” (BOBBIO, 2000, p. 58). Para tanto, a participação popular nas decisões políticas mostra-se essencial ao controle do governo. Não há democracia sem participação, na medida em que essa aponta para as forças sociais que vitalizam aquela (BONAVIDES, 2001, p. 51). É preciso, ainda, construir e reconstruir espaços públicos democráticos para que a sociedade possa debater e deliberar e nos quais o poder, que o Estado deixa escapar à economia, seja devolvido à política (BAUMAN, 2000, p. 90). Por outro lado, é necessário reconhecer que “uma sociedade é democrática quando, além de eleições, partidos políticos, divisão dos três poderes da república, respeito à vontade da maioria e das minorias, institui algo mais profundo, que é condição do próprio regime político, ou seja, quando institui direitos” (CHAUÍ, 2001, p. 431).

d) Acesso à justiça. Estratégias e instrumentos para a resolução de conflitos sociais não envolvem unicamente o acionamento do Poder Judiciário, em que pese este continue a ser uma arena institucional relevante. O acesso à justiça, em uma perspectiva ampla, pode ser também assegurado por meio da interlocução com o Poder Público nas esferas administrativa e legislativa (CAMPILONGO, 1991, p. 8). Para além disso, é possível superar os obstáculos sociais, culturais e econômicos que entravam o acesso à justiça recorrendo a formas institucionalizadas alternativas de resolução de conflitos, bem como a mecanismos autônomos em relação às instituições oficiais (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 70-80). Entre os procedimentos técnicos extrajudiciais e judiciais alternativos, estão a negociação direta, a mediação, a arbitragem e a conciliação. A resolução dos conflitos pela via não-institucionalizada, por sua vez, contempla uma justiça compartilhada não-estatal, baseada na autogestão comunitária (WOLKMER, 2001, p. 306-314).

e) Movimentos sociais. Os movimentos sociais são ações sociais coletivas de caráter sociopolítico e cultural que viabilizam distintas formas de organização popular e adotam diferentes estratégias para expressar suas demandas. Entre eles, cabe distinguir os de cunho emancipatório, os quais se mobilizam para resistir à exclusão e lutar pela inclusão social, em contrapartida aos de cunho conservador (GOHN, 2004, p. 13-15). No contexto latino-americano, tais sujeitos coletivos  emancipatórios ressurgiram com força acompanhando os processos de redemocratização nacionais das décadas de 1970 e 1980, articulando-se em redes e recebendo freqüentemente a alcunha de novos movimentos sociais, devido a ostentarem uma postura autônoma em relação aos movimentos sociais tradicionais – partidos e sindicatos. Paradoxalmente, não se pode reduzir os novos movimentos sociais a simples sujeitos de classe, tampouco desconsiderar que, especialmente no contexto latino-americano, em grande parte ainda se identificam com os as classes populares (WOLKMER, 2001, p. 137).

f) Pensamento jurídico crítico. Pode-se definir a crítica jurídica como a  “formulação teórico-prática que se revela sob a forma do exercício reflexivo capaz de questionar e de romper com o que está disciplinarmente consagrado (no conhecimento, no discurso e no comportamento) em dada formação social e a possibilidade de conceber e operacionalizar outras formas diferenciadas, não repressivas e emancipadoras, de prática jurídica” (WOLKMER, 2002, p. 18). Sobretudo, o pensamento jurídico crítico procura denunciar e combater o dogmatismo que permeia o ensino do Direito e a práticas dos operadores jurídicos, de modo a propiciar condições para a emergência de um novo referencial epistemológico. O desafio é romper um ciclo perpetuado pelos cursos de Direito, que “continuam a formar agentes do sistema, reprodutores da ideologia da classe dominante, profissionais conservadores e ortodoxos, distantes da realidade da vida, sem nenhum compromisso social” (COLAÇO, 2004, p. 10).

g) Pensamento a partir da periferia/América Latina. Propostas jurídicas verdadeiramente inovadoras precisam ir além das fronteiras estatais na identificação de demandas sociais. Tais limites, já ultrapassados por muitos atores globais, freqüentemente não permitem uma compreensão ampla das raízes e dos desdobramentos de certos problemas que teimam em ignorá-los e que, por isso, poderiam ser adequadamente geridos por um conjunto de países. Na América Latina, em particular, urge encontrar um caminho autônomo para a integração dos povos (VENTURA, 2003, p. 605), que considere as diferenças e as semelhanças culturais, políticas e econômicas do continente (FURTADO, 1986, p. 3) e que favoreça a construção de um pensamento próprio e descolonizado a partir da trajetória histórica comum. Ao mesmo tempo, tal pensamento deve contemplar não apenas a América Latina, mas dirigir-se à universalidade, a partir de uma ótica latino-americana. “A renúncia à universalidade significaria uma forma de autocolonialismo, pois tais seriam os efeitos produzidos pela não-participação no desenvolvimento do pensamento universal e, conseqüentemente, pela provincialização do trabalho intelectual e filosófico. Esta marginalização nos faria colonizados por nossas próprias ações” (CALDERA, 1985, p. 25-26).

h) Ética da libertação. A práxis libertadora é aquela que aposta na liberdade do Outro, afirmando eticamente a dignidade do oprimido como pessoa e como fim. Tal filosofia da libertação converte-se “em forma de ação, em forma de práxis, cujo ponto de partida é a opressão e cuja meta a atingir é a libertação” (DUSSEL, 2005, p. 46). Se a opressão é a negação do ser do Outro, a libertação é o compromisso ético com a alteridade ou, em outros termos, o respeito à “subjetividade presente em cada pessoa enquanto individualidade e em cada grupo como coletividade” (WOLKMER, 2001, p. 270). Concebe-se assim a luta pela eticidade como marca da natureza humana, constituída social e historicamente. “Quer dizer, mais do que um ser no mundo, o ser humano se tornou uma Presença no mundo, com o mundo e com os outros. Presença que, reconhecendo a outra presença como um “não-eu” se reconhece como a “si própria”. Presença que se pensa a si mesma, que se sabe presença, que intervém, que transforma, que fala do que faz, mas também do que sonha, que constata, compara, avalia, valora, que decide, que rompe. E é no domínio da decisão, da avaliação, da liberdade, da ruptura, da opção, que se instaura a necessidade da ética e se impõe a responsabilidade.” (FREIRE, 1996, p. 18).

i) Pluralismo jurídico. O Direito vem a ser um fenômeno plural. É preciso rechaçar a concepção do monismo jurídico, segundo a qual o Estado é o centro único do poder político e a fonte exclusiva de toda a produção do Direito (WOLKMER, 2001, p. XV). O pluralismo jurídico percebe que há uma “multiplicidade de manifestações ou práticas normativas num mesmo espaço sócio-político, interagidas por conflitos ou consensos, podendo ser ou não oficiais e tendo sua razão de ser nas necessidades existenciais, materiais ou culturais” (WOLKMER, 2001, p. XVI). Neste sentido, propõe a construção de um referencial cultural de ordenação compartilhada – o pluralismo jurídico comunitário-participativo (WOLKMER, 2001, p. XX). Os cinco fundamentos desse novo paradigma são a legitimidade de novos sujeitos coletivos, a implementação de um sistema justo de satisfação das necessidades, a democratização e descentralização de um espaço público participativo (elementos de efetividade material), o desenvolvimento pedagógico para uma ética concreta da alteridade e a consolidação de processos conducentes a uma racionalidade emancipatória (elementos de efetividade formal) (WOLKMER, 2001, p. XX-XXI).

j) Cultura popular. Caracteriza-se como um modo de viver que se produz e se reproduz por meio de um processo de libertação que se afirma na sociedade através da luta cultural pela construção de um espaço de aprendizagem e formação crítica. Contudo, para além da ambigüidade do termo, esse campo potencialmente rico de luta social contra-hegemônica, insere-se numa relação contraditória tanto de conformismo/resistência na contraposição ao processo de massificação feito pela indústria cultural, quanto de insurbodinação/acomodação referente à submissão à cultura erudita ou à cega conservação de culturas de identidade. É, pois, nesse “momento de práxis social, como fazer humano de classes sociais contraditórias na relação determinada pelas condições materiais” (CHAUÍ, 1986, p. 14), que se estabelecem, na sua organização e no seu processo de difusão, os símbolos, costumes e valores que possibilitam, num entrelaçamento entre novo e arcaico, o estímulo à inovação e criação de novas práticas sociais, educativas, políticas e culturais; ações que, na desconstrução dos valores estabelecidos como dominantes, “contribuem, mediante a representação ou reelaboração simbólica das estruturas materiais, para a compreensão, reprodução ou transformação do sistema social” (CANCLINI, 1983, p. 29); e que, dessa maneira, refletem o momento cultural de uma determinada comunidade e o próprio devir histórico da totalidade social.

3.2. Eixo prático-metodológico

a) Assessoria jurídica universitária popular. A prática em assessoria jurídica universitária popular sintetiza um tipo de serviço legal alternativo ou inovador, que se caracteriza, substancialmente, por atuar em demandas coletivas, não somente individuais; despertar os sentimentos de organização e de participação nas comunidades, ao invés de estimular o paternalismo e a apatia; desconstruir o mito de uma justiça formal e encantada, inacessível à maioria da população; utilizar, prioritariamente, meios extralegais de acesso à justiça e mediação de conflitos, ao nível legislativo e administrativo, em detrimento dos caminhos meramente judiciais; estimular as demandas legítimas, sem procurar controlar a litigiosidade a qualquer custo; contar com estudantes e profissionais de diversas áreas, inclusive não-jurídicas; trabalhar com demandas de impacto social individualizadas, em detrimento das demandas clássicas massificadas; pautar-se pela ética comunitária, que se contrapõe à ética utilitária e, ainda, privilegiar a justiça no lugar da certeza jurídica (CAMPILONGO, 1991). Nesse sentido, apresenta-se como uma alternativa ao modelo tradicional de advocacia e de ensino jurídico, na medida em que visa à mudança social, à organização comunitária, à defesa legal e ao empoderamento de setores sociais historicamente marginalizados.  Confronta-se, pois, com a exigência ética de justiça social e com o desafio de lutar pela efetivação dos direitos humanos, de forma a, pelo menos, diminuir “a distância entre o que a lei prevê, a respeito, e aquilo que, efetivamente, garante” (ALFONSIN, 2005).

b) Extensão universitária. Este programa está assentado no conceito de extensão universitária cunhado pelo Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras, que, com pequenas variações, é adotado pela maioria das instituições de ensino superior brasileiras. Nesses termos: “a Extensão Universitária é o processo educativo, cultural e científico que articula o Ensino e a Pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre Universidade e Sociedade. A Extensão é uma via de mão-dupla, com trânsito assegurado à comunidade acadêmica, que encontrará, na sociedade, a oportunidade de elaboração da práxis de um conhecimento acadêmico. No retorno à Universidade, docentes e discentes trarão um aprendizado que, submetido à reflexão teórica, será acrescido àquele conhecimento. Esse fluxo, que estabelece a troca de saberes sistematizados, acadêmico e popular, terá como conseqüências a produção do conhecimento resultante do confronto com a realidade brasileira e regional, a democratização do conhecimento acadêmico e a participação efetiva da comunidade na atuação da Universidade. Além de instrumentalizadora deste processo dialético de teoria/prática, a Extensão é um trabalho interdisciplinar que favorece a visão integrada do social” (RENEX, 1998, p. 5). Na mesma direção, suscita-se o conceito de pesquisa-ação, que, entre outros (ANDALOUSSI, 2004; MORIN, 2004; THIOLLENT, 2005), é tematizado por Santos, consistindo: “[…] na definição e execução participativa de projetos de pesquisa, envolvendo comunidades e organizações sociais populares a braços com problemas cuja solução pode beneficiar os resultados da pesquisa” (SANTOS, 2004, p. 75).

c) Educação popular. A educação popular freiriana fundamenta a prática em assessoria jurídica universitária popular aqui proposta. Essa perspectiva prático-metodológica destaca a necessária troca de saberes e experiências entre os vários atores envolvidos, todos considerados sujeitos do processo. Para esse autor: “educar e educar-se, na prática da liberdade, é tarefa daqueles que sabem que pouco sabem – por isso sabem que sabem algo e que assim podem chegar a saber mais – em diálogo com aqueles que, quase sempre, pensam que nada sabem, para que estes, transformando seu pensar que nada sabem em saber que pouco sabem, possam igualmente saber mais” (FREIRE, 1977, p. 25). Nesse sentido, a metodologia libertadora de Paulo Freire inspira a construção conjunta do conhecimento no processo educativo, opondo-se à hierarquia de saberes e contrariando a reificação do sujeito que dela participa. Vivencia-se o processo educativo como um processo democrático, “na convicção de que sei algo e de que ignoro algo a que se junta a certeza de que posso saber melhor o que já sei e conhecer o que ainda não sei” (FREIRE, 1996, p. 135). Dito de outro modo: “o desencantamento da lei passa, de um lado, por um processo de educação jurídica popular e treinamento paralegal capaz de habilitar a comunidade para a autodefesa dos seus direitos. Isso possibilita, de algum modo, a parcial ruptura do monopólio dos advogados para pleitear em juízo. De outro lado, a ultrapassagem dos cânones da cientificidade moderna, centrada na separação entre ciência e senso comum, permite uma ruptura epistemológica capaz de estabelecer uma relação dialética entre o conhecimento dos doutos e o saber popular” (CAMPILONGO, 2005). Crê-se que, somente dessa forma, possa-se favorecer uma real aproximação dos estudantes com os problemas sociais que atingem grande parte da população brasileira, muitos dos quais diretamente ligados ao acesso à informação dos direitos e garantias da cidadania previstos pela Constituição Federal de 1988.

d) Autonomia/protagonismo. A prática em assessoria jurídica universitária popular pressupõe, no plano individual, a autonomia do indivíduo e, no plano coletivo, o protagonismo comunitário. Como todos os outros conceitos aqui esposados estes também o são imbricados e inter-relacionados, de forma que a autonomia e o protagonismo constituem duas dimensões da mesma realidade, que não se pode e não se deve negligenciar. Representam dois pressupostos de uma mesma ética, a ética da alteridade, que dialoga, compreende e reconhece(se) (n)o outro em sua inteireza e integralidade. A assunção da autonomia é condição indispensável para a construção horizontal, dialógica e democrática do conhecimento a partir da interação entre os saberes acadêmico e popular; ao passo que o estímulo ao protagonismo comunitário afigura-se fundamental para viabilizar a concretização, através da luta política, de uma gama de direitos fundamentais resguardados formalmente na ordem jurídico-brasileira, marcadamente desde a Constituição Federal de 1988 (GOHN, 2005).

e) Lúdico/prazer/paixão. A incorporação do prazer, da paixão e do lúdico na prática de assessoria jurídica universitária popular é condição de possibilidade para (re)pensar e acessar o Direito, a partir da busca de novas perspectivas e pedagogias capazes de desvelar as relações de poder e de opressão difusas na sociedade, a exemplo do que nos faculta a metodologia do Teatro do Oprimido (BOAL, 1998). O desafio é construir: “A pedagogia do novo como pedagogia de revelação dos sabores dos sentidos e dos sabores da existência. A pedagogia da produção dos sabores da diferença e a diferença dos sabores” (WARAT, 2004, p. 415). Trata-se de reconhecer no/com outro possibilidades sempre renovadas de transformar essa realidade, através “das lutas comuns da libertação” (MARCOS, 1987).